Em
certa ocasião, um agente penitenciário relatou-me:
O
senhor sabe que [...] eu peguei o meu filho falando que nem
vagabundo, é. Daí eu fiquei apavorado e fui pra cima dele: “Me
conta onde foi que você aprendeu a falar desse jeito!”. Pensei que
ele estivesse andando com vagabundo. Ele ficou quieto, depois me
disse que não andava em má companhia. Eu fui até investigar e acho
que ele me falou a verdade. Daí, eu fiquei pensando: acho que ele
aprendeu a falar assim comigo mesmo.
Outro
depoimento traz a mesma observação:
“A
cultura do preso acaba com a gente. A gente começa a falar como
preso, daí a pouco, a família também. Família de agente
penitenciário conhece todas as palavras, fala igual a preso”.
Isso
torna a vida extracárcere mais difícil e estressante, como afirmou
outro entrevistado:
“Ao
chegar em casa, no ambiente de família, deixar, sair do trabalho não
é fácil. A gente acaba levando muita coisa pra família: é gíria,
é jeito, é tudo. E isto aumenta o estresse”.
Um
agente penitenciário, a quem perguntei sobre qual havia sido a
reação de sua família ao saber que ele escolhera esta profissão,
explicou-me:
É,
foi difícil, foi difícil pra todo mundo. Porque é uma mudança
radical. [...] E foi uma mudança radical, né? Eu, de repente,
passei a conviver com bandido, trabalhar dentro de cadeia. Todos
sofrem, não há como dizer que não. Mas, graças a Deus, eu sou
centrado, vamos dizer assim, e eu já condicionei inclusive minha
família nesse tipo de coisa. Eles sabem que eu sou conformado, faço
o que tem que ser feito, não excluo a possibilidade de um dia tá
numa situação difícil na cadeia e aí eles sabem disso. Só que eu
sempre deixei claro o seguinte: que eu nunca vou me omitir da minha
responsabilidade. É, nunca vou deixar de fazer o que tinha de ser
feito. E eles tão condicionados. Eles sofrem, logicamente, toda vez
que tem uma situação [...] me preocupo, na primeira oportunidade,
em pegar no telefone e dizer que eu tô bem, porque eu sei que eles
vão se preocupar. Só que sofrem sempre, né? É difícil pra eles.
Conforme
outro agente:
Sabe,
eu me surpreendi, pô, gritando com a minha filha, sendo áspero com
a minha mulher ou ralhando por causa de bobagem, entendeu? Porque
você sai “carregado” da cadeia, o estresse é muito grande! Sai,
sabe, saturado! Aí, “qualquer pé de galinha dá canja”. Às
vezes, a mulher vinha me trazer um problema qualquer, eu falava: “Pô,
acabei de sair da cadeia! Pô, um monte de pepino pra descascar!”
Começava a me incomodar com aquilo. Ela tava fazendo certo, pedindo
opinião prá mim, pedindo prá resolver o problema que era minha
obrigação resolver.
.
A
propósito da relação entre trabalho e família, Seligmann-Silva
afirma que [...] a trama complexa dessa interface, numa visão
preliminar, deixa entrever uma via de mão dupla: de um lado, há o
fluxo em que a subjetividade desloca experiências familiares para o
mundo do trabalho; de outro, a corrente que transporta para a vida
familiar determinações emanadas do trabalho. Mas os dois fluxos se
entrecruzam muitas vezes, ao mesmo tempo em que dão lugar a
dinâmicas pelas quais se realimentam reciprocamente (1994, p. 197).
No
entanto, no caso dos agentes, tudo indica que o fluxo principal é o
do trabalho para a família, funcionando como importante
desestabilizador do equilíbrio familiar. Foram recorrentes os
depoimentos de agentes penitenciários que relacionaram trabalho e
desequilíbrio familiar, isto quando não indicaram o trabalho na
prisão como elemento determinante da separação do casal ou mesmo
da dissolução da família
extraído
de “A identidade e o papel dos agentes penitenciários”, de Pedro
R. Bodê de Moraes, disponível, na íntegra em
http://www.scielo.br/pdf/ts/v25n1/07.pdf
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