domingo, 1 de abril de 2018

Existe racismo entre os cristãos?





O primeiro evento do projeto “quem tem medo de bicho-papã” contou com quase trinta pessoas e mostrou, no debate, como a dificuldade em lidar com o diferente, em lidar com o risco de abrir mão dos próprios valores, está enraizado nas nossas mentes. Ele foi conduzido por Jorge Eduardo Diniz, pai de um casal de filhos negros, pastor por vocação.

E racismo não quer dizer apenas negro e branco.

O tema foi introduzido através do quadro acima. O que ele retrata? Quando não se conhece o seu título, seu autor, sua data de composição, a imaginação flui livre. E o que foi mostrado é como a imaginação está presa aos conceitos e ideias que carregamos conosco.

Mas se a imaginação é substituída pela observação cuidadosa, alguns detalhes caminham na direção do título da obra.

A obra aborda as controversas teorias raciais do fim do século XIX e o fenômeno da busca do "embranquecimento" gradual das gerações de uma mesma família por meio da
miscigenação.

Na obra de Modesto Brocos, em frente a uma pobre habitação, três gerações de uma mesma família são retratadas. A avó, negra, a mãe, parda, e a criança, fenotipicamente branca. A matriarca, com semblante emocionado, ergue as mãos aos céus, em gesto de agradecimento pela "redenção": o nascimento do neto branco, que será poupado das agruras e das memórias do passado escravocrata. A cena foi assim definida por Olavo Bilac: "Vede a aurora-criança, como sorri e fulgura, no colo da mulata - aurora filha do dilúvio, neta da noite. Cam está redimido! Está gorada a praga de Noé!".

Qual é essa praga?

Noé, aquele que foi salvo no dilúvio junto com sua família, ficou, em certo dia, alcoolizado. E deu vexame. Seus filhos Sem e Jafé o socorreram, enquanto Cam debochou. Após recobrar a consciência, o velho pai tomou conhecimento dos fatos, e amaldiçoou o último. Por uma razão que não é possível dizer ser bíblica, afirmou-se, durante séculos, que as pessoas de cor negra seriam descendentes de Cam, e por isso a escravidão, o menor desenvolvimento tecnológico, e todos os aspectos desfavoráveis relacionados a ela seriam consequências “justas” desta maldição de milhares e milhares de anos atrás.

Quem criou essa farsa? quem a transmitiu de geração em geração?

Não adianta fechar os olhos. O racismo existe e está presente em toda a sociedade, inclusive no meio cristão.

Como a igreja pode abordar e combater este mal?

Qual é este mal?

Experiência do palestrante: pai de dois negros, um rapaz e uma moça, ouviu diversas vezes, em diversos lugares, inclusive entre cristãos, se eles eram adotados.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a de um branco, segundo uma levantamento divulgado em 2013.

Mas racismo está impregnado nas instituições, sejam formais, sejam informais. É o que se conhece como racismo institucional: negro correndo, é ladrão (o branco, faz atividade física); mulher negra em tarefa doméstica, empregada (branca, dona de casa); negro de terno, segurança de shopping (branco, executivo). E esta impregnação afeta até a teologia, porque ela é realizada através de pressupostos que têm raízes na cor, no estrato social e econômico, na cultura empoderada pela tecnologia e abundância econômica. Ela não é feita pela pobre, pela mulher negra, pela pessoa economicamente vulnerável e que conhece na pele o que é fome, conhece na alma o que é ser desvalorizado pela cor da pele ou pelo quanto de dinheiro carrega consigo.

Racismo é tão comum que as frases seguintes não são consideradas preconceituosas:
  • “não sou racista; tenho até amigos negros”;
  • “por que você não penteia o cabelo?”;
  • “você não é negra, é moreninha”;
  • “você é privilegiado, você é cotista”;
  • “para uma negra você é até bonita”;
  • “para ser um advogado tem que cortar este cabelo”;
  • “você não é negra. Seus traços são finos, e sua pele nem é muito escura”

O pastor Francisco Carlos de Oliveira, da igreja Nova Vida de Piúma. Negro, com 59 anos, sendo 29 voltados para a vida ministerial como diácono e pastor, passou por diversas experiências em que foi vítima de racismo dentro da comunidade cristã. “Fui recepcionado por uma mulher branca, membro da igreja, que deixou bem claro que não era para eu estar ali. Disse que a igreja precisava de um pastor e não de um diácono como eu, e ficou nítido que era por causa da minha cor de pele. Isso me levou às lágrimas. Durante um ano, tive que conviver com discriminação na forma de falar, de olhar, de tratar da própria igreja. Mas, depois de um ano, após observar o meu trabalho, a mesma mulher que me recepcionou veio me pedir desculpas por ter me tratado com discriminação”.

No Novo Testamento há claras orientações contra qualquer tipo de racismo - é importante lembrar que racismo não se limita a discriminação dos brancos contra os negros (ou o inverso). Racismo é toda atitude que leva ao desejo de humilhar o outro por uma característica que não nos agrada, ou sobre a qual jogamos nossas dificuldades e frustrações.

O apóstolo Tiago adverte: “meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com parcialidade”.

a Igreja de Antioquia – uma comunidade de fé majoritariamente helenista –, nos dá uma bela lição sobre a igualdade racial e o empoderamento das etnias na comunidade nascente (At 13).

Paulo é apóstolo de todo aqueles não judeus, sem distinção de classe social, nacionalidade ou gênero.

Paulo escreve a Filemon, Afia e Arquipo rompendo a lógica escravista do império romano.

Na história da igreja, exemplos positivos de cristãos isolados no meio de uma cultura cristã: O inglês Willian Wilberforce, no século XIX, dedicou sua vida na luta abolicionista na Inglaterra. Foram 40 anos até que uma lei pondo fim ao tráfico de escravos fosse aprovada. Com sua experiência política e sua fé firme no Senhor, ele pôde ver seu país extinguir o comércio de escravos e influenciar todas as outras nações que ainda se beneficiavam desse mal. O batista Martin Luther King combateu a segregação racial nos Estados Unidos e batalhou pelos direitos civis dos negros. Mesmo enfrentando ameaças, agressões, prisões, maus-tratos à sua família, ele não desistiu. Um atentado encerrou sua carreira precocemente.

Na história da igreja, um desastre: Mahatma Gandhi ouviu muitas coisas boas sobre o missionário Charlie Andrews, a quem chamavam de “o fiel apóstolo de Cristo”, Gandhi foi tentar ouvi-lo. Mas, na primeira oportunidade, foi expulso do culto porque a cor da sua pele não era branca. Mais tarde, ele e Andrews tornaram-se grandes amigos, mas o indiano nunca se esqueceu da dor daquele incidente. Ao comentar as experiências de Gandhi, o missionário metodista E. Stanley Jones conclui que “o racismo tem sobre si muitos pecados, mas talvez o pior deles tenha sido o de obscurecer Cristo na hora em que uma das maiores almas nascidas de uma mulher estava tomando sua decisão”.

Como a igreja pode lidar com esta questão?
  • Arrependimento por ser racista
  • Inclusão em movimentos sociais
  • Educação
  • Campanhas
  • Discussões
  • Reflexões
  • Ações proativas
  • Superação do preconceito
  • Documentos
  • Pronunciamentos

Longe de ser uma questão resolvida ou enterrada no passado, o racismo ainda está presente na sociedade. E a Igreja tem um papel fundamental nessa questão: ela precisa se levantar como atalaia da verdade e ser sal e luz, ensinando que o homem foi criado a imagem e semelhança de Deus.

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